A gente sai de casa para ir numa festa ou
para pegar a estrada, e antes que a porta atrás de nós se feche, ouvimos a voz
deles, pai e mãe: te cuida. A recomendação sai no automático: tchau, te cuida.
Um lembrete amoroso: te cuida, meu filho. A vida anda violenta, mas a gente não
dá a mínima para este "te cuida" que a gente ouve desde o primeiro
passeio do colégio, desde o primeiro banho de piscina na casa de amigos, desde
a primeira vez que saímos a pé sozinhos. Pai e mãe são os reis do "te
cuida", e a gente mal registra, tão acostumados estamos com estes que não
fazem outra coisa a não ser querer nosso bem e nos amar para todo sempre, amém.
No entanto, lembro da primeira vez em que estava apaixonada, me despedindo
dentro do carro, entre beijos mais do que bons, com aquele que devia ser um
moleque mas para mim era um homem, e um homem estranho, uma vez que não era
pai, irmão, primo, amigo ou colega. Depois do último beijo, abri a porta do
carro e, antes de sair, ouvi ele dizer com uma voz grave e sedutora: te cuida.
Me cuidarei, pode deixar. Me cuidarei para estar inteira amanhã de novo, para
te ver de novo, te beijar de novo. Me cuidarei para me tocares com suavidade,
para nunca encontrares um arranhão sobre a minha pele. E cuidarei do meu humor,
dos meus cabelos, cuidarei para não perder a hora, cuidarei para não me
apaixonar por outro, cuidarei para não te esquecer, vou me cuidar.
Me cuidarei ao atravessar a rua, me cuidarei para não pegar um resfriado, me
cuidarei para não ficar doente. Me cuidarei, meu amor, enquanto estiver longe
dos teus olhos, nos momentos em que você não pode cuidar de mim.
Fica a meu encargo voltar pra você do mesmo jeito que você me viu hoje. É de
minha responsabilidade não ficar triste, não deixar ninguém me magoar, não
deixar que nada de ruim me aconteça porque você me ama e não aguentaria. Claro
que me cuido, nem precisava pedir.
Te cuida, dissera ele. E eu ouvi como se fosse um te amo.
Meses depois, terminado o namoro sem beijos de despedida, saio do carro
trancando o choro, ainda que o rompimento tenha sido resolvido de comum acordo.
Abro a porta e já estou com uma perna pra fora quando ouço, sem nenhuma aflição
por mim, apenas consciência de que não teríamos mais notícias um do outro: te
cuida. Me cuidei. Só chorei quando já estava dentro do elevador.
Martha Medeiros