4 de ago. de 2014

Sorria como se você quisesse isso, repito. Mas sou amador na atuação. Não tem mais choro que resolva, não tem mais buquê que dê jeito, não tem mais nada que se possa fazer. Ela me aluga – e mal sabe que se espalha feito erva daninha pelo meu peito. Encrustada em cada uma das vísceras. Ela não liga pra minha dor e perfura fundo as minhas entranhas para se instalar ali. Já disseram uma vez que ganha mais quem tem o poder. Quem ama mais só tem a culpa e o consolo da companhia. Não é justo comigo. Mas com amor é mais caro. E é assim que eu pago o preço de estar ali. Não tem mais coração quebrado ou briga de madrugada. A hemorragia sentimental já atingiu níveis alarmantes. Eu já tive um AVC emocional e ela nem ligou. É que ela não paga por isso. Paga só pela parte social. A minha parte – de verdade – ela descarta. Sem saber que. Não tem jeito. É dela.

E faz do jeito que bem entender sem nem me visitar. Enfermo ou inferno, tanto faz. Se perguntarem por aí, ela diz que acabou. Assim, sem dor nenhuma. Sem cólera nem complicações. Se perguntarem como eu vou, ela diz que eu fico. Sem nem pensar duas vezes. Dizem que eu vou sobreviver. Que a gente sempre consegue sobreviver a quem ama menos. Mas não garantem a recuperação total sem sequelas ou cicatrizes. Os médicos me perguntam o peso e eu digo que é muito. Que dói as costas. Que quebra os ossos. Que prende à cama. E homem não chora. Só pode ser mesmo uma infecção no canal lacrimal. Mas terminou. Sorria como se você quisesse isso. Não tem mais dor. Não tem mais nada. Em coma induzido pelo abandono. Com uma placa de aluguel atravessada no peito.

Daniel Bovolento

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